UMA SEMANA SEM ENTRAR NA INTERNET.
Pioneiro da internet brasileira, o escritor gaúcho André "Cardoso" Czarnobai passou uma semana sem entrar na internet, fato inédito em sua vida. Ele narra aqui suas impressões do mundo off-line: as angústias do tempo livre, as dúvidas a checar no Google.
Se dissesse que lembro com perfeição da primeira vez em que acessei a internet estaria praticando a mentira. Todavia, algo que posso afirmar é que sou usuário dessa substância há pelo menos 15 anos.
No começo nossa relação era casual e descontraída, mas, ao longo dos anos, foi ficando cada vez mais séria. Na verdade, antes de aceitar o desafio de ficar uma semana sem usá-la, não tinha muito clara a medida da minha dependência.
Minha droga favorita sempre foi o e-mail. Não sei precisar quantos já escrevi no total, mas só de 2004 pra cá foram mais de 300 mil. Estimo que na época do "CardosOnline", fanzine por e-mail (!) que editei entre 1998 e 2001, deve ter sido muito mais.
Eu passava de 8 a 10 horas por dia apenas lendo e escrevendo e-mails. A média caiu um pouco nos últimos anos, mas ainda hoje passo mais tempo lendo e respondendo e-mails do que fazendo qualquer outra coisa quando estou on-line. Até porque, no fundo, é como diz aquela gostosa canção cheia do groove sensual que exsuda dos muitos lábios de Janet Jackson: "You don't know what you've got 'till it's gone" (algo como "você só sabe o que tem em mãos quando a coisa acaba").
Uma semana sem internet. Tentei me lembrar das várias vezes em que isso devia ter me acontecido, mas não consegui. Muitos anos atrás, quando ainda existia uma separação bem visível entre os mundos on-line e off-line, era mais possível.
Internet só no computador, conexão discada, planos de horas (eu tinha 30 por mês). Atualmente, com internet sem limites no celular, no videogame, nos parques, restaurantes e até na geladeira, difícil é não estar conectado.
Quer dizer, difícil pra você. Pra mim beira o impossível.
Os primeiros sintomas de que os próximos dias não seriam exatamente fáceis começaram a se manifestar por volta das 20h do domingo. Eu já havia me alimentado de churrasco de ovelha, testemunhado a vitória convincente do meu time e àquela altura bebericava a primeira dose de "single malt" da minha vida (bonzinho) na casa de um bom amigo.
Os primeiros sintomas de que os próximos dias não seriam exatamente fáceis começaram a se manifestar por volta das 20h do domingo. Eu já havia me alimentado de churrasco de ovelha, testemunhado a vitória convincente do meu time e àquela altura bebericava a primeira dose de "single malt" da minha vida (bonzinho) na casa de um bom amigo.
Ventinho gelado entrando pela janela, nenhum compromisso ou problema muito grave aguardando a minha participação. Um sentimento de satisfação bem infantil.
Quando consultei o celular em busca das horas, realizei rápido cálculo mental e percebi que teria menos de quatro até entrar em jejum pelas próximas 168 (ref. cf. "sete dias").
Explico: para honrar a experiência e aprender alguma coisa, decidi estabelecer metas bastante claras e segui-las à risca, com um rigor que não costuma ser característica muito marcante de minha personalidade. Queria me afastar de qualquer contato com a rede mundial de computadores precisamente às 23h59 do domingo e só retornar na mesma hora do domingo seguinte. Sem exceções, sem recaídas.
Normalmente, eu teria percorrido a pé os dois quilômetros que separam a minha casa da de meu amigo (medida aproximada: não pude consultar o Google Maps), mas naquela noite preferi tomar um táxi. Não tinha esse tempo para perder. Hoje não.
Achei que não fosse acontecer, mas reconheço: experimentei leve desconforto quando percebi que faltava menos de uma hora. Um misto de ansiedade e apreensão. E eu não sabia nem direito o porquê. No fundo, acho que a gente nunca sabe.
**fonte: *FOLHA DE SÃO PAULO
por ANDRÉ CARDOSO CZARNOBAI
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