A INVEJA SALIERE X MOZART.
O mais particular dos sete pecados traduz-se pelo desejo de atributos, competências ou posses de outrem. Como o orgulho, a inveja assenta num mecanismo de comparação onde, no entanto, a auto-avaliação é desvalorizada, uma vez que a atenção é desviada do próprio para o Outro; o sentimento de inveja resulta muito mais da avaliação das qualidades do Outro do que de uma apreciação real e adequada do potencial próprio. A parca componente de auto-avaliação é aqui muitíssimo dependente não apenas de factores internos – em especial, da auto-estima – mas particularmente de factores externos – os resultados da comparação com o Outro. Esse confronto pode centrar-se em atributos individuais – qualidades físicas, intelectuais, morais, ou sociais – ou meramente circunstanciais – propriedade, rendimento, riqueza.
Dado o propósito adaptativo das emoções humanas, há decerto uma instrumentalidade original na emoção invejosa; ela pode ser benigna quando produz mudanças favoráveis, impelindo o indivíduo para a melhoria do seu comportamento, feitos ou resultados. Quando maligna, é paralisadora, produzindo sentimentos de frustração e insegurança; com frequência, surge também associada a um sentimento de vergonha e inutilidade, fruto do reconhecimento no Outro daquilo que desejaríamos para nós. E a vergonha dificilmente se admite, por isso, a inveja é, por excelência, o pecado secreto e silencioso. A inveja pode ainda desencadear sentimentos de índole questionável, numa espécie de tentativa emocional adaptativa para transformar, de forma distorcida, a infelicidade perante a felicidade de outrem em felicidade perante o seu infortúnio. Mas no fundo, a grande vítima da inveja não é quem é invejado, mas o que inveja. Na maioria das situações, a inveja é uma emoção destrutiva, que consome a auto-estima e a auto-aceitação, potencia outras emoções negativas – o ciúme, o ódio, o rancor, a mágoa – e bloqueia o desenvolvimento individual.
O mecanismo de comparação subjacente ao sentimento do invejoso levanta amiúde questões relacionadas com o sentido individual de equidade e justiça. No cinema, o apogeu da inveja enquanto pecado acabado e verdadeiramente mortal é possivelmente a tragédia do compositor italiano Antonio Salieri, na imaginação de Peter Shaffer, autor da peça escrita em 1979 e do argumento adaptado para cinema; num filme que absorve na perfeição o espírito dramatúrgico da obra teatral que lhe deu origem (embora não a acompanhe de forme linear), um Salieri amargo, profundamente sarcástico e de costas voltadas ao Criador é-nos apresentado trinta anos volvidos após a morte do seu arqui-inimigo, a dar entrada num hospício na sequência de uma tentativa de suicídio. Um clérigo vem a seu encontro para ouvir a inquietante e longa confissão do seu mortal pecado: a inveja.
Compositor oficial da corte de Viena do séc. XVIII, músico aclamado e aplaudido pelo imperador, Salieri vê o seu trabalho e a total devoção à sua arte esquecidos e desvalorizados perante a chegada de um genial, irreverente e muito jovem Mozart. Salieri reconhece em Mozart um talento incomparável, um dom de atribuição divina que ambiciona para si e do qual se julga justo merecedor. E que, injusta e inexplicavelmente, Deus teria concedido àquele homenzinho insignificante. Salieri não é um alienado, nem um homem pequeno e mesquinho; virtuoso e trabalhador; é temente a Deus e encara simultaneamente a música a Sua dádiva e a Sua celebração maior. A inveja emerge, por isso, de um pesado sentimento de injustiça que conduz ao desaparecimento da sua fé. Logo, a sua cobiça não é ocultada ou reprimida, pelo contrário, é assumida com resignação e usada como fonte de alimento para a batalha inevitável, não exatamente contra o sentimento de inveja, mas contra o seu objecto – Mozart – e o principal responsável por esta arbitrariedade – Deus. Os monólogos acusatórios de Salieri com Deus são cínicos e angustiantes ,como angustiante é o terrível paradoxo que Salieri é forçado a gerir: uma sincera e profunda admiração pelo génio de Mozart, a par de uma inveja impossível controle,brevemente convertida em ódio letal. A aniquilação de Mozart converte-se assim na única possibilidade de triunfo sobre Deus, um deus injusto e amoral. Mas fantasiar com a morte um homem é fácil, difícil é concretizar essa pecaminosa intenção:
SALIERE MOZART
"Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...
MÁRIO QUINTANA
"É tão natural destruir o que não se pode possuir, negar o que não se compreende, insultar o que se inveja".
HONORÉ BALZAC
FONTE: **NOVIDADEDIÁRIA
**LUST.PT
**SUPERINTERESSANTE
**REVISTASERA
**BLOG DO FACÓ(foto)
**PENSADOR UOL
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