O NOSSO DR.HOUSE!!!!!


Numa tarde abafada de quarta-feira, um estranho caso aguardava solução numa das enfermarias do Hospital São Paulo. É ali que os alunos e residentes da Escola Paulista de Medicina aprendem a reconhecer e a tratar as mais bizarras mazelas que a natureza criou. No universo de 90 mil consultas e 2.600 internações por mês, aparece de tudo. O professor de clínica médica Antonio Carlos Lopes decidira dar uma aula à beira do leito.
Casado com uma médica, pai de três médicos e sogro de um médico, Antonio Carlos é monotemático. Por volta das 8h15 já está na Escola Paulista de Medicina. Passa a manhã resolvendo problemas administrativos, assinando ofícios ou orientando alunos. Numa sexta-feira recente, almoçou com um almirante. Quer convencê-lo a usar navios para enviar jovens médicos da universidade a regiões brasileiras de difícil acesso. À tarde, foi para o consultório do Einstein. Atendeu 17 pacientes (entre consultas longas e retornos mais breves).Ainda visitaria pacientes no hospital. Demonstrações de gratidão – materiais ou não – não lhe faltam. São carros importados, quadros, chocolates, beijos e abraços. Quando se despede de um paciente, Antonio Carlos bate no ombro dele e aconselha: “Fique longe dos médicos”.
  
PARECE REMBRANDT Como no célebre quadro A lição de anatomia do Dr. Tulp, Antonio Carlos demonstra num paciente do Hospital São Paulo um exame clínico completo. Para ele, nada substitui o ensino à beira do leito (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)


 UM TIPO EM EXTINÇÃO
Antonio Carlos diz que um bom diagnóstico é feito com os cinco sentidos. E também com o sexto. “Medicina é ciência, arte e intuição.” A intuição começa a guiá-lo no momento em que coloca os olhos sobre o paciente. Um aperto de mão também pode revelar muita coisa. Mãos quentes podem revelar um estado febril. Ou, quem sabe, um hipertireoidismo. Se estiverem frias, talvez seja um sinal de estresse ou de raiva. Suor excessivo nas palmas das mãos pode ser ansiedade. Uma demonstração de que o doente não se sente à vontade na presença do médico. Isso é péssimo. Ganhar a confiança de quem precisa ser tratado é tão importante quanto auscultar o coração e medir a pressão arterial.
Aos 63 anos, Antonio Carlos é um clínico geral, um tipo de médico cada vez mais raro. Uma quase anomalia na cultura dominante de especialidades que, em nome da precisão, esquartejou o paciente e perdeu a noção do todo. “Acho que sou um dos últimos”, diz, com indisfarçável melancolia. Até meados do século passado, médico era clínico geral. Ou pediatra, cardiologista ou ginecologista. Eram essas as opções. Hoje, apenas 10% dos formandos escolhem exercer exclusivamente a clínica médica. Programas governamentais de estímulo à saúde da família precisam de clínicos gerais, principalmente em regiões distantes dos grandes centros, mas a maioria dos jovens prefere outro caminho.
Ser um especialista é uma opção mais rentável, principalmente no início da carreira. A clínica médica exige longas consultas, que precisam ser remuneradas à altura do esforço do profissional. Algo praticamente impossível em início de carreira, embora clínicos gerais experientes e reconhecidos como Antonio Carlos sejam altamente valorizados. No consultório que mantém no Hospital Albert Einstein, ele atende empresários, banqueiros, artistas e quem mais puder pagar R$ 800 por consulta. Cada encontro pode durar uma hora. “Em menos de 45 minutos não faço”, 
Antonio Carlos é ciumento. Não aceita dividir pacientes com os colegas. “Quem quer se tratar comigo precisa saber que cuido de tudo.” Os clientes se sentem autorizados a usar e abusar. “Não vou a médico, psicólogo ou podólogo nenhum sem falar com ele”, diz o pecuarista José Antonio Marinho, de 64 anos, de Corumbá, em Mato Grosso do Sul. “Um dia liguei para perguntar onde poderia fazer uma boa limpeza de pele.”


Essa é uma relação que começou em 1985. Hoje, mais de 20 pessoas da família se tratam com ele. Naquele ano, Marinho começou a sentir dores nas costas. Os médicos de Corumbá concluíram que sofria de estresse e bico de papagaio. Na primeira consulta, Antonio Carlos desconfiou desse diagnóstico. “Espere um pouco: bico de papagaio não dá tontura.” Depois da ausculta, mandou o paciente fazer um eletrocardiograma. De lá, seguiu direto para o cateterismo. Descobriu que Marinho, aos 38 anos, tinha uma obstrução de 95% numa das artérias principais do coração. Poderia cair duro a qualquer momento. A solução do caso foi uma ponte de artéria mamária.

Outro médico famoso insiste na importância da hipótese diagnóstica: Dr. House, o personagem rabugento da série mais popular da história da TV americana. Em oito anos de exibição, ela foi vista por 81 milhões de pessoas em 66 países. A cada novo desafio, o anti-herói politicamente incorreto, de charutão no canto da boca, resmunga: “Preciso de ideias”. Como um Sherlock Holmes obcecado pelo corpo humano, reúne pistas, persiste numa linha de raciocínio e, invariavelmente, acerta.


Dr. House (Foto: Everett Collection/divulgação)


**fonte: revista ÉPOCA/GLOBO.COM

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